Nada mais reconfortante do que estar em casa. Na minha casa. O som do galo cantando enquanto escrevo. O Yang, meu gato, esquematizando como entrar na cozinha pela janela. O cheiro da casa. A bagunça, a decoração, as coisas tão minhas, que parecem parte de mim.
O Feng Shui nasceu pra mim com a maternidade. O fato de parar tudo pra cuidar de um filho e de um lar, trouxe a compreensão de quem eu era, do que queria e do que ansiava enquanto alma. Foi um período difícil. Num primeiro momento, embora quisesse muito ser mãe, me perguntava por que eu, logo eu, tão “independente” até então, precisava estar ali. Cuidando da casa e da família. Num trabalho que me parecia incessante e, infelizmente, socialmente desvalorizado. O primeiro ano da maternidade foi um tanto vazio. Mas, no vazio, nasceu algo novo: descobri minha missão.
Por muito tempo pedi a Deus uma luz que mostrasse quem eu era. A luz veio. A sombra também. Yin e yang ali, na pele, não mais na teoria do que lia nos livros.
Vento e água me mexiam, me reviravam. Joguei coisas fora, queimei papéis e lembranças não tão boas do passado. Há beleza na destruição e mais ainda no vazio. E meu primeiro passo na harmonização foi justamente esse: eliminar o velho para poder abrir espaço. Temas um tanto clichês quando se fala em Feng, mas marcam um início. Uma página em branco. O livro quem escreve sou eu, é você, somos nós.
E falando em livros, foi num dos livros do arquiteto e consultor de Feng Shui, Carlos Solano, que li a frase que deu título a esse texto: “A faxina da casa caminha com a limpeza da alma”. Gosto tanto dessa frase que ela se tornou um mantra para mim. Sabemos que limpar é cansativo e repetitivo. Entretanto, nesse ciclo com início, meio, mas sem fim, entre varridas e passadas de pano, somos convidados a sermos humildes.
Como inspiração, compartilho aqui um pequeno resumo de um dos capítulos do livro “Autobiografia de um Iogue” // Paramahansa Yogananda.
Após finalmente encontrar o Samadhi (experiência em consciência cósmica), Yogananda encontrava-se embebecido pelo prazer do encontro com o divino. Percebendo que seu guru olhava-o imóvel diante dele, o Yogue fez menção de prostrar-se aos seus sagrados pés em gratidão pela experiência que há tanto tempo buscara ardentemente. O Mestre, obrigando-o a ficar de pé, disse calmamente: “Não se deixe inebriar demais com o êxtase divino. Você ainda tem muito trabalho a fazer nesse mundo. Venha, vamos varrer o chão da varanda.” Yogananda foi buscar uma vassoura. Ele sabia que o Mestre estava lhe ensinando o segredo de viver de uma forma equilibrada.
Essa história narra bem a magia do limpar a casa. De uma forma ou de outra, mesmo que pensemos o contrário, limpar nos conecta com a vida real. Realidade essa que não dá pra mudar, nem mascarar. Mas ao tomarmos consciência dos cantos onde a sujeira reside, vamos enxergando a poeira guardada em nós, as toxinas armazenadas no esquecimento da memória, as conversas doloridas do passado, as contas atrasadas, as decisões adiadas, as escolhas deixadas para trás.
E quando digo limpar, não me refiro a uma organização excessiva e controladora. Mas sim ao ar puro que a limpeza traz e ao tempo que ganhamos quando cada coisa está em seu lugar.
Limpar pode ser uma prática espiritual, mas a obsessão pela limpeza é o oposto. Mesmo porque “Casas limpas são efêmeras”, como disse Victoria Moran. Limpar é contínuo e é justamente esse processo de limpar, sujar, limpar, que possibilita o crescimento. É ai que reside a beleza. Na repetição e na descoberta do prazer, mesmo que, à princípio, forçado.